sábado, 26 de janeiro de 2013

A amante ao pulso

Havia notado que saíra do bar sem seu relógio. Virou-se tão automaticamente para buscá-lo que depois se deteve de modo brusco: pra que voltar? Ora, era racionalíssimo que se voltasse em busca do que perdera. Mas lhe faria falta? O relógio não era daqueles que valesse muito no mercado, embora tivesse sido dado como presente em um tempo saudoso.

Recebera aquele relógio de pulso de couro de uma amiga, não tão amiga se me faz entender. Ela lhe render gozos não mais tidos sem ela e, por isso, não casou-se com ele. Ao perde-la, havia atirado o elegante acessório no fundo da gaveta. O casamento durou mais que os meses que esperava durar e, por isso, retomou o amante. Estar com ele era estar com aquela formosa mulher de cabelos tão negros como os tais pulsos do relógio. Chegou a pegar-se acariciando o marcador de tempo como se amaciasse aquela pele branca e macia, que o tempo lhe levara de modo tão definitivamente insuspeito.

Sua esposa não imaginaria a traição e tampouco desconfiava daquele apego estranho àquele vulgar objeto. Certa vez, lhe dera outro por julgá-lo velho e usado. Ganhou o apreço do marido que desfilava pomposo o regalo de sua amável esposa. Não durou, entretanto. Tão pouco rodou com aqueles ponteiros novos, regressou ao velhos. Assim como seu hábito saudoso de lhe pôr com a afeição de quem acarinha.

Não sem motivo, fora questionado por um amigo seu sobre tal troca incomum: o novo por um velho? E o que dizer? Lançou à razão o argumento de que eram confortáveis. Protesto aceito. De fato, os relógios novos ganhos pela esposa tinham a pulseira de metal e rememorava seu comportamento cioso de quem teme perder alguém. Sua esposa afligia-se tão naturalmente com as ausências do marido que lhe sufocava tal qual o relógio que lhe dera.

Tudo mudou quando o relógio parou. Trocou a bateria. Não adiantou. Mexeu nos ponteiros. Botou-lhe óleo novo. E, nada. Perdera o relógio mas não deixou de usá-lo. Ao se lhe perguntar que horas eram, puxava do bolso o aparelho de celular sem se fazer conta do ridículo que era fazê-lo quando se portava um relógio de pulso. Dizia que se esquecera que não funcionava.

E, então, esqueceu-o no bar. Depois de deter-se, deu dois passos em direção à amante. Deteve-se de novo. E tão subitamente se deteve recordou. Aquela doce garota, feita mulher, de cabelos negros e pele branca, havia lhe deixado. Não soube a razão. Não soube pra onde, nem pra quem, mas não era com ele que estavam seus braços. "É duro deixar um amor, depois dele ter te deixado sem se despedir".

Naquela noite, ao deitar-se, pegou o relógio que lhe dera a esposa, pôs e dormiu como passado novo.

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